3 de agosto de 2012

Os irmãos Grimm e a Alquimia

Os contos de fadas dos irmãos Grimm carregam imagens fortes que lidam diretamente com símbolos arquetípicos. Entre os contos do livro, Faithful John me chamou muita atenção. A história desenvolve – através de metáforas, referências e símbolos – a jornada do auto-conhecimento.


A história se inicia quando o rei, em seu leito de morte, chama seu criado mais fiel: John e o pede para cuidar do príncipe. Com a morte do rei, John personifica o arquétipo do mentor, ao mostrar ao Novo Rei seu castelo paterno. Chamar o castelo de paterno já nos mostra uma relação de dependência da figura paterna, que deverá ser dissolvida, para que o Novo Rei possa se tornar um homem de verdade

Entretanto, o Rei havia proibido a entrada em um único quarto: aquele no qual estava o retrato da Princesa do Palácio Dourado, pois o jovem rei iria se apaixonar perdidamente e pôr tudo em risco para conseguí-la. Esse quarto é o inconsciente, o id freudiano; o se apaixonar perdidamente, um eufemismo para a pulsão básica da libido. Além disso, se apaixonar pela Princesa e tê-la como rainha significa para o jovem rei sair da sombra do seu pai: tornar seu o castelo paterno. Além disso, há um quê do mito de Pandora aqui, pois o jovem Rei se recusa a se mover da frente da porta se John não a abrir. E, mesmo tendo sido avisado que atrás daquela porta haveria uma coisa horrível, ele não se contentou até entrar no quarto.


Apaixonado o novo Rei, pede ajuda a John para conquistar a atenção da Princesa. Ele propõe usar todo o ouro do reino para criar várias peças e levá-las à princesa. A Princesa é o anima e o ouro é metafórico: trata-se de uma referência direta à alquimia. Usar o ouro é o processo de obter individualidade e descobrir o self jungiano.


Ao velejar ao castelo da Princesa e conseguir atraí-la até o barco do Rei – a união entre anima e animus – John iça as velas enquanto a Princesa está vendo as peças de ouro. Isso é legal porque destrói a falsa noção de que contos de fadas são morais. A Princesa é, literalmente, sequestrada. E ela fica desesperada porque acha que foi sequestrada por um mercador, mas quando o Rei se identifica, ela relaxa e aceita se casar com ele. Só isso já dá panos para fazer uma análise social da época.






Enquanto velejam, John toca música na proa do navio e vê três corvos os sobrevoando e conversando. Esses três corvos provavelmente são figuras que dividem a mesma raiz do conto registrado por Thomas Ravencraft, Three Ravens. Talvez, por falarem do futuro, esses corvos tenham o mesmo papel das três irmãs fiadeiras do Destino da mitologia grega. De qualquer maneira, John, por alguma razão, é capaz de escutá-los.


Eles conversam que ao chegar à terra, o Rei encontrará um cavalo vermelho-raposa e quando ele o montar, irá morrer. Um outro cavalo vermelho bem conhecido é aquele em que Guerra, do Apocalipse bíblico vem montado. E o único modo de evitar a tragédia é se alguém montar no cavalo antes dele e atirar em sua cabeça, e, ainda assim, aquele que o fizer, se tornará pedra do joelho até o pé.


Ainda prevendo o futuro, eles dizem que, ao chegar no castelo, o rei encontrará uma camisa de noivado que parecerá ser feita de ouro e prata, mas que na verdade é enxofre e piche e ele queimaria ao vestí-la; o único jeito de salvá-lo é pegar a camisa e jogá-la no fogo. Isso significa a falsa transmutação, o falso self, e o fogo é a transformação capaz da real transmutação. Nesse caso, aquele que conseguir queimar a camisa, se tornará pedra do coração ao joelho.






E, por último, a Princesa irá cair no chão e morrer e o único jeito de salvá-la é tirar três gotas de sangue de seu seio direito. Isso é uma metáfora que simboliza a capacidade feminina de dar vida. Aquele que o fizer, se tornará pedra da coroa da cabeça ao dedo do pé.


Ao chegar em terra, John consegue salvar o rei de todas as situações; mas em todos os casos, os outros servos do Rei, que não gostavam de John, se indagavam como ele poderia ter feito aquelas coisas. Na última situação, o Rei perdeu a paciência e o condenou à morte. Na manhã seguinte, antes de ser enforcado, ele contou toda a história dos corvos e virou pedra. O Rei se arrependeu tão amargamente de punir um servo tão fiel que colocou John petrificado em seu quarto.






Durante muitos anos, o Rei olhava para a estátua de John e se lamentava de ter feito aquilo. Anos depois, quando já tinha filhos gêmeos – e os gêmeos sempre representam a dualidade –, o Rei disse que faria qualquer coisa para ter de volta seu servo tão fiel. Nessa hora, John falou que ele poderia, se cortasse a cabeça de seus dois filhos e banhasse o banhasse com o sangue. O Rei se encheu de horror, ficou hesitante, mas fez o que John havia pedido. Ele, então, não só voltou à vida, como também reviveu os gêmeos. Essa passagem lembra uma bíblica, a que Deus decide testar a fé de Abraão e o manda cortar a cabeça de seu filho. Já com a faca no pescoço de Isac, o anjo desce e pede para Abraão parar e diz que sua fé foi provada. Só que os irmãos Grimm foram um pouco mais viscerais.

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Aqui vai a versão em inglês, de 320 palavras que foi enviada lá no curso. Ela é bem mais condensada pelo limite e porque todo o público do texto – supostamente – havia lido o conto.


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The Grimms' fairy tales portray strong images for they deal greatly with archetypal symbols. Among the stories, Faithful John caught my attention. I believe the story shows -- through layered metaphors, references and symbols -- the journey one must go through in order to discover oneself.
John plays the role of the mentor archetype by showing the new king his paternal castle; on his deathbed, the old king forbade John of showing the room in which hang the Princess of the Golden Palace's picture. That room is the unconscious; also, to fall in love for the Princess implies the son to leave his father's shadow and create a life of his own. Despite the old king's warning, the new king wouldn't give up seeing the inside, an allusion to Pandora's box.
Afterwards, in order to get the Princess' attention, John thinks of working up all gold of the kingdom. Which takes us to hermetic alchemy and jungian psychology: transmuting into gold, the process of attaining individuation and discovering the self archetype.
Having brought the Princess to his ship -- union of the anima and animus -- and setting sail, John listens to three ravens -- Thomas Ravencraft's, "Three Ravens" -- about how the king might die once he come to land. A fox-red horse (Bible Revelations' War), a bride-shirt looking like it's woven in gold and silver (but is sulphur and pitch: false transmutation) and the death of the Queen (three drops of blood of her right breast, about motherly love) might come and he who knows and does something shall become stone.
Being faithful and saving his king, John turns into stone. Many years later he tells the king he must behead his twins if he can live again, as a test of faith, leading us to The Binding of Isaac. Once the king does, he is rewarded, as does Abraham, as his children live again.

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