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29 de janeiro de 2010

Franz Kafka - Um Médico de Aldeia


Parte 2
Parte 3

Eu gostaria de fazer um aviso prévio sobre o que você entrará em contato logo mais. Não se trata de cenas obscenas, nem tampouco violentas, mas sim, uma das histórias mais surreais que eu tive o prazer de encontrar. E, em companhia de um curta-metragem, o fascínio pelo texto só aumentará, já que a adaptação artística da obra em questão foi feita com perfeição pelo diretor japonês Yamamura.

A obra que irá ser exposta se chama "Um Médico de Aldeia", e foi uma das primeiras escritas pelo tcheco Franz Kafka, mostrando que a sua maturidade literária não foi resultado de um savant. A escrita de Kafka demonstra-se nesse ponto extremamente introspectiva, depressiva, simbólica e abstrata, fazendo com que as interpretações de texto variem de uma forma absurda, já que, dependendo da realidade do leitor, vários fatores adormecidos podem entrar em evidência.

"Um Médico de Aldeia" conta a história de um doutor mal-remunerado - e em contradição, considerado onipotente pelos cidadãos - que recebe uma chamada para uma consulta de emergência, em outra aldeia.  O seu cavalo, único meio de transporte, morreu em virtude do inverno rigoroso que sua vila estava enfrentando, fazendo com  que o médico buscasse ajuda dos outros moradores da vila para um meio de transporte. Todos os "bons cidadãos" não fornecem um novo transporte para o doutor.

Entretanto, um desconhecido aparece subitamente com dois cavalos, emprestando-os de prontidão. Nessa cena é onde as coisas começam a ficar distorcidas. A mulher do médico, Rosa, ao ajudar o desconhecido a ajustar os cavalos à carroça, é mordida fortemente no rosto, mas o doutor, ao notar que "estava devendo um favor" ao desconhecido, não se torna raivoso, mas sim, acaba considerando o forasteiro uma pessoa única. É nessa parte que percebemos como um favor na verdade torna-se um uso de poder, parecidamente como Michel Foucault afirmava. E ainda podemos ir além na interpretação: o médico abandona sua vida íntima e os seus valores morais, deixando de ser exatamente um humano, mas sim, um doutor por excelência.

Chegando à residência do enfermo, o doutor percebe que ele se encontra aparentemente são. Entretanto, ao dar as costas ao paciente e olhar para a sua família, ele percebe uma cena chocante ao ver a irmã do doente abanar um lenço com sangue e lágrimas nos olhos de seus pais. Então ele retorna ao enfermo, puxa o seu cobertor - mostrando que vivemos apenas em um mundo de aparências superficiais - e percebe que em seu corpo há larvas comendo seus órgãos na região do abdome. E em um jogo filosófico bastante intenso, os dois personagens começam se confundir e não fica claro exatamente qual dos dois está doente. Tanto que no filme, o médico se enforca abstratamente na lua, ou seja, uma morte em sua própria natureza.

Em tanto desespero e agonia, Kafka consegue nos fazer questionar os nossos valores ao mostrar que ambos os personagens estão doentes psicologicamente. O garoto, inclusive, chega a afirmar que "A única coisa que trouxe ao mundo foi uma bela ferida; foi esse o seu único legado", causando um choque de nervos no leitor.



É verdade que descrevi minimamente as simbologias que consegui captar desse magnífico texto, já que eu creio que vomitar ao ar livre algo tão relativo é complicado. Entretanto, eu aconselho a leitura e releitura do texto somada à possibilidade de assistir ao filme mais de uma vez, já que de fato, é uma história bastante intensa. Para pôr as minhas visões de uma maneira lógica, eu vou esperar pelos comentários com as mais diferentes visões que já percebo que estão por vir. Acredito que seja muito mais construtivo dessa maneira.

Posso dizer, entretanto, que se a obra "A Metamorfose" não me tinha convencido que Kafka era um autor raro, agora não tenho medo de afirmar que com "Um Médico de Aldeia" eu me sinto bastante abalado em saber que várias obras suas ficaram inacabadas.

Uma boa leitura para todos.

Por Italo Lins

22 de novembro de 2009

Franz Kafka - A Metamorfose



Sinopse:

Considerada um marco da literatura existencialista européia, a short novel "A Metamorfose" (Die Verwandlung) escrita pelo tcheco Franz Kafka no ano de 1915, abre espaço para várias interpretações relacionadas ao valor da existência humana em uma situação parecida com a eutanásia (prática de não prolongar a vida de uma pessoa com doença incurável ou situação de inércia física e mental permanente).

Gregor Samsa, "o metamorfo", é um caixeiro viajante responsável pela sustentabilidade financeira de sua família, que, ao acordar em seu quarto em um dia qualquer, começou a perceber que seu corpo estava em mutação. Ao invés de pernas, patas apareciam, e no lugar de cabelos, antenas agora tomavam lugar. Samsa acabou por transformar-se em inseto no sentido literal.

Embora o "x" da questão seja perceber que sua metamorfose não ocorreu apenas no sentido literal.

Sua família, ao perceber o estado humanamente deplorável de seu ente, começa a ignorá-lo com sinais de nojo à sua nova aparência, não percebendo que, mesmo em uma carapaça, ainda eram os sentimentos de Gregor que batiam ali dentro.

Crítica:

Sobre a transformação de Gregor, é interessante como as interpretações acerca de qual inseto ele se tornou divergem. Muitos falam que é uma barata, alguns dizem que é um besouro, outros pensam que é uma mosca, mas minha interpretação foi além: uma joaninha - espero que não tenha sido tão esdrúxula assim, já que o autor conscientemente não deixa explícito o componente da classe insecta em questão.

"A Metamorfose" não é a obra-prima de Kafka, pois, em muitas partes é notável traços de imaturidade do autor principalmente pela irrelânvia de certas ações - a crítica dos hospedes pela existência de Samsa, dentre outros casos. A razão da história se passar apenas no quarto de Gregor e em alguns momentos, na sala, faz com que a história, apesar de muito curta, seja um pouco cansativa e limitada, o que poderia ser evitado com facilidade.

Mas no final das contas, os pontos positivos sobressaem: a temática é interessantíssima, o jogo psicológico é forte, já que a futilidade dos personagens é irritante, e as perguntas que o desfecho nos deixa são curiosas: de fato, quanto vale a vida humana? Qual é o interesse que nós temos sobre os outros? Quem somos nós para julgar? Será mesmo que Gregor é o inseto da família?

Com certeza, "A Metamorfose" é leitura obrigatória.

Por Italo Lins