28 de novembro de 2009

Arte, Artista e Devaneios

Antes de começar, acredito que esse post será algo muito pessoal, que será tornado universal, o que o tornará muito falho, devido à imaturidade conceitual, profissional e artística que eu tenho.

Eu gosto das histórias de como algumas coisas são criadas. São coisas cotidianas, inocentes, que passam a ter um papel decisivo na vida das pessoas, graças a elas mesmas. Nesses dias, um amigo meu me mandou a transcrição de uma carta de Rainer Maria Rilke, poeta do início do século XX, que era uma resposta a um escritor iniciante. Esse texto pode ser lido – e eu recomendo – AQUI.

A partir dele, devo dizer, eu vou encarar este texto que escrevo e que você lê como uma concepção artística. Ou seja, como Rilke fala na carta, “uma obra de arte é boa quando nasceu por necessidade” e, ao tentar me expressar sobre a arte para vocês, pode nascer uma obra de arte boa. Ou seja, all the words are gonna bleed from me, and I will think no more.

“(...) Relate suas mágoas e seus desejos, seus pensamentos passageiros, sua fé em qualquer beleza — relate tudo isto com íntima e humilde sinceridade.” 

É esse um dos conselhos que Rilke dá ao jovem escritor. O artista não pode, em hipótese alguma, ser indiferente ao mundo. Como Raphael Draccon fala, ou você o ama ou o odeia, mas é preciso que um artista possua uma visão passional do mundo para poder ter os caminhos de expressão abertos para a arte. Como não lembrar, então, do jovem Werther, que, tão dedicadamente descreve as montanhas, o horizontes, as árvores e os lagos que observava em suas caminhadas, apaixonado por Carlota?


Além de tudo, ser um artista é muito perigoso. Refiro-me à acepção conceitual de “artista”, como comportamento. Você se frustrará, sentirá um misto de sentimentos difíceis – ou impossíveis – de serem explicados, e ainda terá que saber usá-los a favor de si. Usá-los como um meio pra entrar mais profundamente em si mesmo, e trazer isso pra fora em forma de arte. Mozart compôs o Requiem dessa maneira; Beethoven, a nona sinfonia; Van Gogh, vários de seus mais famosos quadros. Entretanto, a alegria também fará com que obras geniais fluam. Dalí é um claro exemplo disso, que teve em sua mulher, Gala, muito da inspiração necessária para compor e pintar seus quadros. 

“As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis e dizíveis quanto se nos pretenderia fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou”. 

Completando eu disse no post sobre a música, há coisas que as palavras não expressam. Sentimentos que conceitos não alcançam. Esse – acredito – deve ser um dos maiores desafios dos escritores. E dos pintores. 

Pergunta se os seus versos são bons. Pergunta-o a mim, depois de o ter perguntado a outras pessoas.” 

É difícil classificar arte – principalmente poemas – como bons ou ruins. Afinal, para classificar, é preciso definir. E definir arte é algo impossível. Você pode reconhecer uma boa arte – ou não –, mas não consegue definir. O que diferencia os bons dos ruins, então? Inexplicável. Entretanto, logo depois, Rilke explica como saber se seguir, ou não, esse caminho. 

“Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranqüila de sua noite: ‘Sou mesmo forçado a escrever?’ Escave dentro de si uma resposta profunda.” 

Acredito que todo artista – ou artistas to be, como eu – já passaram por isso. Segundo Alan Moore, um artista é um mago, que distorce a realidade, expressa algo que as outras pessoas não podem jamais alcançar, por estar dentro da alma do criador. E, não importa o quão desencorajador possa parecer, quando alguma coisa de dentro o manda pintar – ou escrever, ou tocar, ou dançar, ou esculpir –, você sabe que, de fato, quer aquilo. Sabe, que, mesmo quando dá um tempo da arte, aquilo está lá, dentro da sua mente, sendo fomentado e se preparando para quando aparecer novamente.


“(...) e depois desta volta para dentro, deste ensimesmar-se, brotarem versos, não mais pensará em perguntar seja a quem for se são bons.”

E eis as amarras das quais é necessário nos libertar. Entretanto, como seria uma arte apreciada se não for considerada boa? Como atingir a satisfação pessoal, se não importa perguntar se são bons? É aí que um verdadeiro artista transcende a necessidade comum de ser admirado, reconhecido, de ter o ego massageado. Embora isso vá acontecer, não é a preocupação dele. O fazer artístico dele começa e acaba em si, para saciar aquela voz, aquela vontade, e, quando é feita, a consciência acalma, sabe que está em seu lugar. “Talvez venha significar que o Senhor é chamado a ser um artista. Nesse caso aceite o destino e carregue-o com seu peso e a sua grandeza, sem nunca se preocupar com recompensa que possa vir de fora.”  

Essa, portanto, deve ser a verdadeira humildade. A humildade que Jesus, o homem, possuía. Por isso, que um verdadeiro artista não é cheio de si, não é auto-suficiente, não é arrogante. Não é ególatra. Se a leitura dessa carta, por exemplo, for feita também nas entrelinhas, é possível notar a humildade – não a falsa modéstia – com a qual Rilke trata o escritor iniciante. 

Aproxime-se então da natureza. Depois procure, como se fosse o primeiro homem, dizer o que vê, vive, ama e perde.” 

Esse conselho me parece particularmente interessante. Apesar de a vida e os sentimentos humanos seguirem padrões comportamentais, cada um, ainda assim, é um universo, dentro de suas mentes. O artista é aquele que consegue tocar esses parâmetros imutáveis e adicionar as variáveis individuais, sentindo a vida em si, sem se deixar levar.

Quero adicionar, a capacidade de contemplação que é – acredito que seja – inerente a um artista, embora não seja vantajosa apenas para artistas. Coisas simples, como ver a graciosidade no vôo de um pássaro, a pureza de uma nuvem, a beleza de uma flor solitária, a aspereza de uma folha seca, a variação da cor do céu, a elegância de um gato de rua deitado; coisas que, no dia-a-dia, passam despercebidas, que assumem uma importância notável apenas em sua mente, e torna difícil achar alguém com quem seja possível dividir esses pensamentos de maneira recíproca.

Relendo esse texto, vi que não foi nada do que eu pensei que seria. Entretanto, foi isso que saiu – sem pensar – da minha reflexão sobre a carta. Talvez, depois, eu escreva novamente, fazendo o que eu havia pensado. Talvez não.

Por Eduardo Souza

5 comentários:

  1. Belo texto, cara! Tão bonito que me faz entrar em contradição com ele mesmo ao querer definir o que é um "belo" texto.

    Acho que a dualidade entre "bom" e "ruim" é um tanto quanto freudiana. Creio que seja uma soma de todas as nossas convivências, todas as nossas experiências, preconceitos e vivências, tudo que hoje, nos faz ser "eu" e "você". Já que se a cada seis anos já temos um novo corpo, é dessa essência que eu estou falando.

    Quando você citou que “uma obra de arte é boa quando nasceu por necessidade” eu nunca poderia concordar mais. Se realmente respeitasse esse preceito, não havia corrupção no mundo artístico, e a arte em si, seria apenas expressão de sentimentos, o que deixa a palavra "apenas" com sentido de "muito".

    Mas eu volto a dizer que o texto é fenomenal, cara. Quando você está entretido numa leitura, começa a achar que mesmo sendo grande, poderia ser ainda maior!

    ResponderExcluir
  2. Eduardo... Poxavida! Texto lindolindolindo de viver! :)))))

    "a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou”.
    É engraçado quando encontramos em livros, músicas e/ou quadros, explicações pra sensações que uma vez já sentimos ou estamos sentindo. São tão difíceis de transcrever, que quando alguém consegue, você chega a sentir uma certa cumplicidade e alívio ao notar que aquilo não foi apenas sentido por você.

    " Por isso, que um verdadeiro artista não é cheio de si, não é auto-suficiente, não é arrogante."
    Particularmente, acho isso bem delicado. Não acho que exista, de fato, alguém que não sinta prazer ao ouvir um elogio, ao notar que seu trabalho foi reconhecido. Então, pensando do jeito que tu escreveu e juntando ao que eu escrevi, não existe um artista de verdade? Eu acredito que existe sim artistas de verdade, mas eles se envaidecem, também. Não demasiadamente, mas numa medida suficiente. Não que esses elogios e reconhecimentos sejam o impulso para fazê-lo criar, mas é, ao menos, algo complacente.
    Por mais que o artista faça sua obra para satisfazer suas necessidades, a partir do momento que ele a divulga, ela passa a satisfazer necessidades de outras pessoas e eu acho que é nesse ponto que o artista se sente realizado: ao notar que não somente satisfez algo dentro de si, como algo dentro de outra(s) pessoa(s).

    “Aproxime-se então da natureza. Depois procure, como se fosse o primeiro homem, dizer o que vê, vive, ama e perde.”
    É incrível como passamos pelos dias sem notar tanta coisa que a natureza praticamente esfrega nos nossos olhos! Às vezes é só acordarmos com um humor favorável que notamos como o azul do céu é lindo e diferente a cada dia, como a brisa que tem ali na frente do CAC é aconchegante, como há muitos passarinhos por aí (e como eles cantam! aheuahueahea)! Enfim!


    Poxa, esse teu texto me fez ter um zilhão de pensamentos. Inclusive pensamentos contraditórios, EHAUEHAUEHAUEHA! Sei nem se ainda concordo com o que escrevi, HEUAHEUAHEUAHUEHAEA!

    É isso :)

    ResponderExcluir
  3. Sim, verdade, Gabs :B
    Mas esse reconhecimento vem como consequencia do que o artista planta como trabalho, não como finalidade, entende?
    Claro que receber um elogio, ou ver alguém se identificar com uma obra sua, geram uma satisfação tremenda, assim como é ver uma obra pronta. Mas o artista de verdade faz o trabalho dele independente disso, sem que esse seja seu "objetivo final", entende?
    Deixar a vaidade interferir diretamente no trabalho, atrapalha e muito. E eu acredito no ser humano como sendo um todo. Pra um cara ser um artista completo, não basta ser tecnicamente bom, mas ter uma ideologia por trás, e etc. E, espiritual e socialmente falando, vaidade é uma sujeira tremenda. Logo, isso fode com um.

    ResponderExcluir
  4. Um dos textos mais belos que já li.
    "Apesar de a vida e os sentimentos humanos seguirem padrões comportamentais, cada um, ainda assim, é um universo, dentro de suas mentes."

    apesar de cada um ser um universo,eu acho que um artista é aquele que consegue mostrar aos outros o motivo de ter criado, aquele poema, aquele quadro, aquela melodia, ou seja um artista é aquele que consegue fazer um link entre esses universos

    ResponderExcluir
  5. Parabéns cara, está incrível o texto, de novo me surpreendi com as coisas que se passam na tua cabeça. Fico assustado, sinto-me fraco, insignificante e ao mesmo tempo feliz enquanto leio esse texto incrível, devo dizer que a carta do tal Rainer é massa tabém, uma ótima referência! Falasse coisas que se tivesse lido em algum lugar antes teria feito uma grande diferença pra mim, mas não teria sido uma diferença tão grande quanto foi lê-lo agora.

    Enfim congrats cara, fico feliz de verdade vê-lo escrevendo coisas tão admiráveis!

    Abraços cara!

    ResponderExcluir