É dito que entre os filósofos pré-socráticos havia dois - Heráclito de Éfeso e Diógenes de Sínope - cuja diferença principal se dava em um ponto curioso. Entretanto, ambos viam como os homens eram, muitas vezes, deploráveis e desprovidos de qualquer tipo de moral. Heráclito desprezava a sociedade como um todo, e, durante sua velhice, foi viver sozinho na montanha, tamanha era sua convicção da natureza dos homens. Outro ponto em que os dois concordavam era sobre a ignorância daqueles que os cercavam.

Ignorância a que me refiro é a ausência de conhecimento, seja ela voluntária ou não. Suponhamos, então, que Heráclito fosse igualmente ignorante àqueles que os cercavam. Obviamente, ele não notaria o quão ignorantes eram aqueles ao seu redor, logo, não teria motivos para chorar. Então, ele seria, no mínimo, mais feliz.
Há infindos exemplos de como a ignorância traz a felicidade, todos plenamente observáveis no dia-a-dia. Um deles, particularmente interessante, é: digamos que você goste de chocolate - o que é bem provável. Mas, que você goste muitíssimo de chocolate, a ponto de dizer "eu não viveria sem chocolate". Entretanto, você "não viveria" sem chocolate apenas por já tê-lo provado. Caso você jamais houvesse provado chocolate, não saberia o quanto ele é bom e não "dependeria dele para viver". Logo, não sofreria com a abstinência dele. Apesar de jamais provar como ele é bom, algo como o que diz O Pequeno Príncipe.

"Ignorância é bênção", afinal. Por isso, existe a expressão benefit of the doubt, que denota exatamente a situação em que é melhor que exista a ignorância frente a algum assunto, para uma ou mais pessoas.
Acredito que seja algo já estabelecido: quanto menos conhecimento se tem, mais satisfeito - ou feliz - você se torna. Entretanto, isso instiga pensamentos mais profundos: a felicidade é ensinada? É possível ser feliz adquirindo mais conhecimento? Qual a linha que divide a capacidade de compreensão do medo de compreender? Qual o limite entre ter objetivos altos e a ganância?
É claro, entretanto, que há fenômenos e situações incompreensíveis para a mente humana. Não me refiro a fenômenos metafísicos apenas. Esses, a ciência vai conseguir explicar, dentre alguns anos de estudos, com as novas vertentes e a aceitação de novos paradigmas, o que é inevitável. Entretanto, um exemplo que eu gosto de citar é, por exemplo, a compreensão do tamanho do universo.
Eu não acredito que sejamos capazes de imaginar isso. Por mais que possamos dizer que uma galáxia é composta de milhões de sistemas, e milhões de sistemas formam um conjunto maior, e assim por diante, acho que jamais conseguiríamos imaginar a dimensão disso tudo, mesmo vendo algo como isso. É visualmente interessante, dá pra ver como somos insignificantes e tal, mas não acho que mesmo a mente mais criativa consiga abstrair a existência de tantas coisas, de verdade.
E, "As above, so below" - "O que está em cima é igual ao que está embaixo". Logo, eu não sei se seríamos capazes de compreender a nós mesmos inteiramente. Cada um de nós é, de fato, um universo separado, paralelo, e há apenas o contato sutil entre eles. E, dificilmente ocorre por palavras. Queria aqui citar a sapientíssima Clarice Linspector:
"Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo."

Há outros assuntos, outras dúvidas - como as demais que perguntei - a serem discutidas, todavia, me limitarei por agora. Fica no ar a idéia para outros posts ou para discussões nos comentários.
De todo modo, acredito que a bênção da ignorância não compense. Eu acredito que a liberdade concedida pelo conhecimento é muito mais compensador. Por isso, afinal, estamos aqui. Mas, consta na citação de Clarice, há uma doçura na burrice, sobre certas coisas. Sobre o universo, por exemplo. Sobre o futuro, sobre a resposta que sempre encontramos: "é relativo".
Por Eduardo Souza