27 de janeiro de 2010

Ignorância, Felicidade e Sentir

É dito que entre os filósofos pré-socráticos havia dois - Heráclito de Éfeso e Diógenes de Sínope - cuja diferença principal se dava em um ponto curioso. Entretanto, ambos viam como os homens eram, muitas vezes, deploráveis e desprovidos de qualquer tipo de moral. Heráclito desprezava a sociedade como um todo, e, durante sua velhice, foi viver sozinho na montanha, tamanha era sua convicção da natureza dos homens. Outro ponto em que os dois concordavam era sobre a ignorância daqueles que os cercavam.

Todavia, eles diferiam grandemente na maneira de encarar a ignorância que os cercava. Enquanto Diógenes se ria, Heráclito chorava, de modo que ele ficou conhecido como o filósofo obscuro.

Ignorância a que me refiro é a ausência de conhecimento, seja ela voluntária ou não. Suponhamos, então, que Heráclito fosse igualmente ignorante àqueles que os cercavam. Obviamente, ele não notaria o quão ignorantes eram aqueles ao seu redor, logo, não teria motivos para chorar. Então, ele seria, no mínimo, mais feliz.

Há infindos exemplos de como a ignorância traz a felicidade, todos plenamente observáveis no dia-a-dia. Um deles, particularmente interessante, é: digamos que você goste de chocolate - o que é bem provável. Mas, que você goste muitíssimo de chocolate, a ponto de dizer "eu não viveria sem chocolate". Entretanto, você "não viveria" sem chocolate apenas por já tê-lo provado. Caso você jamais houvesse provado chocolate, não saberia o quanto ele é bom e não "dependeria dele para viver". Logo, não sofreria com a abstinência dele. Apesar de jamais provar como ele é bom, algo como o que diz O Pequeno Príncipe.


"Ignorância é bênção", afinal. Por isso, existe a expressão benefit of the doubt, que denota exatamente a situação em que é melhor que exista a ignorância frente a algum assunto, para uma ou mais pessoas.

Acredito que seja algo já estabelecido: quanto menos conhecimento se tem, mais satisfeito - ou feliz - você se torna. Entretanto, isso instiga pensamentos mais profundos: a felicidade é ensinada? É possível ser feliz adquirindo mais conhecimento? Qual a linha que divide a capacidade de compreensão do medo de compreender? Qual o limite entre ter objetivos altos e a ganância?

É claro, entretanto, que há fenômenos e situações incompreensíveis para a mente humana. Não me refiro a fenômenos metafísicos apenas. Esses, a ciência vai conseguir explicar, dentre alguns anos de estudos, com as novas vertentes e a aceitação de novos paradigmas, o que é inevitável. Entretanto, um exemplo que eu gosto de citar é, por exemplo, a compreensão do tamanho do universo.

Eu não acredito que sejamos capazes de imaginar isso. Por mais que possamos dizer que uma galáxia é composta de milhões de sistemas, e milhões de sistemas formam um conjunto maior, e assim por diante, acho que jamais conseguiríamos imaginar a dimensão disso tudo, mesmo vendo algo como isso. É visualmente interessante, dá pra ver como somos insignificantes e tal, mas não acho que mesmo a mente mais criativa consiga abstrair a existência de tantas coisas, de verdade.

E, "As above, so below" - "O que está em cima é igual ao que está embaixo". Logo, eu não sei se seríamos capazes de compreender a nós mesmos inteiramente. Cada um de nós é, de fato, um universo separado, paralelo, e há apenas o contato sutil entre eles. E, dificilmente ocorre por palavras. Queria aqui citar a sapientíssima Clarice Linspector:

"Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo."

Acredito que isso soe deveras romântico, mas acho que os sentimentos são algumas dessa coisas que ultrapassam o entender. Não só os belos sentimentos como o amor, a compaixão - cuidado com esse, é muito confundido com outros sentimentos baixos -, como também a raiva, o ódio, a mágoa, são coisas um tanto inexplicáveis. A mente em si é capaz de distorcer a realidade - ou, conceber a realidade - e os sentimentos são os principais alteradores e moldadores dessa concepção. Mesmo que o sentimento seja indiferença. Não há não-sentir. Indiferença não é a ausência de sentir, e sim a negação de fazê-lo.

Há outros assuntos, outras dúvidas - como as demais que perguntei - a serem discutidas, todavia, me limitarei por agora. Fica no ar a idéia para outros posts ou para discussões nos comentários.

De todo modo, acredito que a bênção da ignorância não compense. Eu acredito que a liberdade concedida pelo conhecimento é muito mais compensador. Por isso, afinal, estamos aqui. Mas, consta na citação de Clarice, há uma doçura na burrice, sobre certas coisas. Sobre o universo, por exemplo. Sobre o futuro, sobre a resposta que sempre encontramos: "é relativo".

Por Eduardo Souza

3 comentários:

  1. É verdade e é mentira a questão da ignorância ser uma benção, meu amigo. Já que, utilizando suas próprias palavras - na verdade, nossas nas mesas de bar - "é bem relativo".

    Chego a dizer que é verdade porque de fato eu vejo no dia-a-dia pessoas não querendo papos sobre a tríplice intocável: "religião, política e futebol". Desses, apenas o futebol eu acredito que leve a lugar nenhum, por mais que ele tenha sua função cultural e econômica.

    É muito mais cômodo você seguir os balidos de todos e pensar que há um deus exotérico, um governo que cuida dos seus interesses, e até, quem sabe, que no futuro nós seremos bons. É uma questão de perspectiva, mas quando você coloca na mesa que "bom", "ruim", "real" e "falso" são conceitos criados por nós, tudo isso cai.

    E por já estarmos acostumados a considerar esses conceitos como dogmas, a quebra dos mesmos torna-se uma tempestade. Então eu acredito que seja uma questão de falta de costume. Ou experiências "erradas".

    E digo que é mentira o fato da ignorância ser uma benção porque, analisando o meu caso, o ato de pensar tornou-se, como você deu o exemplo, "o meu chocolate". Eu não me vejo mais sem a filosofia. Sem ela, sem dúvidas algo da minha vida vai ficar em branco. E somando à filosofia, as únicas outras coisas que eu valem a pena se ter na vida são amizades e comida. Sim, à lá Patch Adams.

    E ainda há a diferença de ignorância entre os meios socio-econômicos.

    Eu acredito que no meio "menos favorecido" a ignorância se dá pela falta de acesso à essas idéias. Já no outro meio, ela se dá pela livre opção ou falta de necessidade de buscar o aprendizado, já que, como nós vivemos em uma sociedade na qual o dinheiro fala mais alto e os ideais estão bem distorcidos, isso tudo é deixado de lado.

    Hoje, a herança da ditadura (por terem tirado das escolas matérias como Filosofia, Artes, Geografia e História; além da liberdade de expressão ter sido massacrada), e a busca desenfreada por bens materiais cegam a alma humana, fazendo com que apenas que o poder e o dinheiro sejam buscados.

    Partindo do pressuposto de que "pensar é bom" e que, como Aristóteles dizia, "o homem é um animal político" - que também pode ser lido como "pensante" - eu acho que a ignorância a ser batida hoje é a "por falta de opção". Se conseguirmos colocar essas pessoas frente às idéias questionadoras, teremos uma mudança de paradigma extremamente considerável. Como se faz isso? Um dos meios é investindo na educação. E claro, mudando não apenas o modo de ensinar, mas os objetivos do ensinamento.

    Seguindo Patch Adams: "Não há pensamento ruim. Ruim é não pensar".

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  2. Sim, sem dúvida, é bem relativo! HAEUHAEUHAEU
    A felicidade em si é relativa, na verdade. As pessoas se satisfazem de maneiras diferentes, e não podemos cobrar delas que gostem de conhecimento, afinal de contas.

    Sei que isso que eu vou dizer agora pode soar meio fascista, mas a 'liberdade de expressão' e 'de pensamento' (engraçado, porque, aparentemente, a liberdade de pensamento inclui o não-pensar!) tem suas desvantagens.

    "Eu não me vejo mais sem a filosofia. Sem ela, sem dúvidas algo da minha vida vai ficar em branco."

    E, de novo, é possível aplicar o exemplo da ignorância do chocolate! Digamos que tu, de fato, tivesse feito medicina, por exemplo, e tivesse 'se contentado' por lá. Tu não sentiria a falta da filosofia, por estar então satisfeito com aprender sobre a máquina humana.

    Eu acho que a ignorância escolhida é a pior de todas. Sei lá. Na minha concepção, é um crime para consigo ter a oportunidade, ter nas mãos a faca e o queijo, e ter medo de cortar. Acredito ser medo, disfarçado de preguiça e adornado por normas sociais, que afastam as pessoas de pensar.

    E isso das normas sociais! Parece que é feio, ou assustador, ou proibido falar sobre coisas sobre as quais é preciso pensar! É quase como se estivéssemos sob a ditadura da Ignorância, e a Polícia do Pensamento procurasse os duplipensadores, não?

    Ah, nem me faça falar da educação.

    Não poderia concordar mais com o verdadeiro Patch Adams.

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  3. E, outra, que eliminemos essa idéia estritamente pejorativa da palavra 'ignorância'!

    Uma das coisas que eu acho mais belas nesse texto de Clarice é a 'doçura de burrice'. Não é por subestimar ou se contentar com pouco; muito pelo contrário. Até porque, se eu não quisesse ou não me interessasse em pensar, e questionar, e interpretar, não estaria aqui.

    O Não-saber é belo, em muitos aspectos. Como achar fútil, por exemplo, ver uma criança ler O Pequeno Príncipe? É como se fôssemos crianças, tentando ler o Universo. Ou nossas próprias mentes. Qual a diferença, afinal?

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